sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Meu querido avô,

estou aqui no blog a realizar um dos teus últimos desejos. Não vou começar a escrever acerca da dor que foi, e está a ser, a tua perda porque, na verdade, ela é incomensurável e inesgotável. Por isso, limitar-me-ei a escrever o que me pediste nos últimos dias de vida, por entre palavras espaçadas e sem força.
Ainda no hospital me disseste "tens de escrever na internet o que se passa neste hospital". Mas, por não quereres falar durante a tua estadia no mesmo, pouco soubemos sobre o que efectivamente se passou e que tanto te transtornou. E, a meu leigo ver, foi exactamente o que aconteceu nesse hospital que te tirou a força e o ânimo de viver, após mais de um ano de luta e de pequenas vitórias. Era notória a tua ansiedade quando tinhas de ficar sozinho no hospital, hora que as visitas acabavam, por volta das 20h. Naquele serviço de Pneumologia Oncológica do Hospital Pulido Valente, eu via o teu desespero quando a noite se aproximava e sabias que ficarias sozinho. Dizias, entre dentes para que ninguém ouvisse, que pedias água e demoravam uma hora a dar-ta, e que querias ir à casa de banho e esperavas outra hora. Chegaste mesmo a referir que o que ali faziam era um "atentado à dignidade das pessoas" Tu, vulnerável e incapaz, completamente dependente dos que te circundavam vias-te confinado a meros "favores" de má cara. Querias que circulasse que foste mal tratado, que te sentias mal e pedias encarecidamente para que te tirássemos daquele lugar porque te estava a consumir aos bocadinhos. Ficaste de me dar pormenores do que querias que escrevesse, mas a verdade é que estavas fraco demais para isso e acabaste por nos deixar antes que pudesses meticulosamente contar o que te atormentava. Como o pedido me foi feito a mim, e visto que querias que colocasse isto na internet, como tu dizias, aqui estou eu a dar-te paz de espírito. Penso que o que querias passar era a mensagem de que os doentes têm de se fazer ouvir e que tu, naquela situação de dependência absoluta, te sujeitavas aos maus tratos com receio de represálias se mostrasses desagrado e descontentamento. Se passaram pelo mesmo, queixem-se, digam, falem, não fiquem calados. Porque um doente que não se sente bem no local onde supostamente deve ser tratado é o suficiente para lhe tirar a força de viver. Foi o que te aconteceu, meu herói, deixaste de conseguir lutar e nós, hoje, choramos a tua morte e recordamos o teu nome. Olha por nós, fica connosco e dá-nos força para prosseguir o nosso caminho na tua ausência.


Joaquim Moura Madeira 08-12-1937 - 25-02-2014