Não é preciso muito para as memórias se intensificarem e reavivarem sentimentos perdidos. Na verdade, não é preciso nada. Basta que nos deixemos levar pelo vento, sem o contrariar. É nos momentos de fraqueza que as recordações do passado se transformam em verdades presente, não porque deixámos de ser fortes, mas porque começámos a ser nós mesmos. E, quando somos exactamente o que queremos ser, o passado mal resolvido ergue-se, trazendo consigo aquilo que com tanto esforço enterrámos e pusemos para trás das costas. As lágrimas aprisionadas soltam o seu grito e escorrem pela face, os medos escondidos voltam a si e aterrorizam o nosso presente, a capacidade de lutar contra o que sentimos esvai-se e voltamos a ser nós mesmos - puros, frágeis e ingénuos. No fundo, o que tentamos nos momentos em que evitamos o inevitável, é pôr de lado não só a nossa pureza, como também a dos nossos sentimentos, fingir que somos fortes, mascarando toda a fragilidade que arromba o nosso ser, e despertar para os pequenos males do mundo, evitando a ingenuidade. Quem mostramos ser é apenas um "eu" fortificado por toda a mágoa, por toda a melancolia, por toda a dor e sofrimento que levou à construção do escuro que nos faz parecer pessoas diferentes. Se o fazemos intencionalmente? Não. É como tirar instintivamente a mão do fogo - mesmo que não queiramos, há sempre um impulso que nos leva a fazê-lo. Não ficamos pessoas frias e desconfiadas só porque sim, ficamos dessa forma porque algo no passado levou à edificação de uma barreira, uma auto-defesa que carregamos connosco. Essa barreira há-de ceder e a máscara cair, quando a pessoa certa der de si, e nessa altura nada mais importará, se não a mais bela e doce pureza, fragilidade e ingenuidade que se encontra em cada um de nós.
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