domingo, 6 de fevereiro de 2011

Love or suicide


Os dias eram uma constante rotina, mas ela gostava que fossem assim. Tinha o emprego com que sempre sonhara, uma vida cheia de trabalho e preocupações, pouco era o tempo que lhe restava para divagações. Era totalmente independente; vivia sozinha num apartamento no centro da grande Lisboa. O despertador tocava todos os dias às sete e meia da manhã. Corria à volta do quarteirão durante meia hora/vinte minutos. Subia, tomava um duche, o pequeno almoço, arranjava-se e dirigia-se pacificamente para o trabalho. Os amigos contavam-se pelos dedos. Gostava de paz e sossego e de sair esporadicamente com aqueles que gostava realmente de estar. Não amava ninguém desde os ingénuos 17 anos, altura em que teve um grande desgosto amoroso - de um momento para o outro, o namorado que tinha já há dois anos e meio, deixou-a por se ter enamorado por uma tipa uns anos mais velha. Desde esse dia, Maria jurou a si mesma que não se voltaria a apaixonar. De facto até aos 27 anos conseguiu cumprir a promessa. Teve um flirt aqui e ali, coisas de uma noite ou no máximo uma semana. Dedicou-se inteiramente à vida profissional e deixou de lado aquilo que mais sofrimento lhe causou, o amor...
Numa das corridas matinais, esbarrou contra um rapaz muito bem parecido, tropeçando no seu pé e apoiando-se no ombro dele. Moreno, latino, olhos verdes, lábios carnudos e um sorriso encantador, foi o que lhe despertou à atenção. Desculpou-se dizendo que ia distraída e que não o vira, mas ele não esperou que ela acabasse as desculpas para a convidar para um café. Usou a típica desculpa do "é o mínimo que posso fazer por si". O café, depois o passeio, depois o jantar, depois a cama. Ao fim de uma semana estavam os dois embrulhados nos lençóis de seda do apartamento da jovem, partilhando múltiplas emoções e sentimentos. Quando acabaram de fazer amor, ela disse-lhe enternecida "tu és especial". Ele não respondeu e ela interpretou o silêncio como um assentimento à declaração e uma reciprocidade de sentimentos.
As semanas transformaram-se em meses e os meses em anos. A mágoa de há muito tempo tinha sido apagada. Ele não era expressivo nem muito emotivo, mas tinha o dom de ter a palavra certa no momento certo. Já namoravam há sensivelmente dois anos, quando ela lhe falou em casamento. Ele não deu abertura à conversa e, desde esse dia, não voltou a aparecer-lhe.
Anos mais tarde veio a saber que as viagens de negócios eram um pretexto para ir ter com a noiva que residia em Itália.
O mundo voltou a desabar. Pela segunda vez consecutiva sentiu-se trocada, usada, manipulada, enganada e traída. Maria entregou-se ao inferno da rejeição, e desde os 29 anos de idade, não voltou a provar o sabor agridoce do amor. Foi encontrada morta no sofá vários anos depois, com um um bilhete tingido de sangue que dizia «Não cabe ao coração curar as maselas feitas por terceiros, mas sim à consciência. Eu não tive coragem de arrancar a impermeabilidade que o meu ser formou à volta da paixão. E ao fim de tantos anos, apesar de não saber viver com amor, já não consigo viver sem ele.».

Todos aguentamos uma grande desilusão uma vez, mas nem todos superam duas e três.

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