Querido *,
estou deitada aqui na cama que outrora preencheste e escrevo estas linhas com tamanha melancolia. Já ultrapassei a tristeza, a dor, o sentimento, agora é a melancolia que percorre as minhas veias, artérias e arteríolas e me deixa numa sofreguidão. Comecei a fazer o puzzle das nossas vidas e a recordar todos os momentos. A forma como nos deixámos apaixonar e como o nosso amor foi destruído, por mim. E este sentimento de culpa não me deixa a consciência tranquila, nem a alma sossegada, nem mesmo o espírito em paz. Eu sei que era chata, que era picuinhas e queria tudo à minha maneira. Só acho que me podias ter deixado sair mais vezes de casa, em vez de me prenderes no nosso lar, eu sabia bem quem tinha, escusavas de me trancar no quarto e de não me deixar sentir saudades tuas. Criaste uma espécie de desejo de liberdade em mim que não correspondia à verdade. Gostava de quando dávamos passeios, mas não de quando não me deixavas passear sozinha. Não me estou a desculpar, meu amor. Já assumi que sou a culpada e a causadora do desabamento de tudo o que fomos construindo a pouco e pouco. Mesmo assim, só queria dizer que gostava que me tivesses deixado passar uma semana fora e que pudesse voltar cheia de saudades e super carente dos teus carinhos.
Desculpa se sujei a carta com o meu sal, só há uma palavra imperceptível e tu vais perceber qual é. A chave de tudo o que te quero dizer. A nossa relação sempre foi assim - não precisávamos de dizer tudo, porque tudo estava implicitamente dito. Não consigo sentir ódio por ti, depois de tudo, não consigo. Sei que devia, mas simplesmente não dá. No que toca a ti, sempre fui demasiado fraca. Nunca levei os impulsos até ao fim e fizeste-me fazer coisas que mais ninguém conseguiu.
A televisão ainda está acesa. É a minha companhia, às vezes deito-me com ela assim, na esperança de que no dia seguinte esteja apagada, como costumava estar. Infelizmente isso não voltou a acontecer desde que partiste.
A Carolina está com os avós, sei que de vez em quando passas por lá para a ver, nas horas em que não estou. Ela pergunta-me muitas vezes por ti e eu respondo-lhe que um dia vai ficar tudo bem, mas acho que ela percebe que não só a engano a ela como a mim. Ela diz que tem saudades tuas, eu tento sossegá-la e falo-lhe em inglês como lhe fazias e ela começa a chamar o papá. Fico a pensar se faço bem ou mal em não a deixar esquecer-se de ti. Acho que ela é que mantém acesa esta minha busca incessante do que foi nosso um dia. Se calhar já nem te lembras de quando tinha medo que viesses a gostar mais dela do que de mim... Eu também era possessiva! Meu Deus, como o tempo voa...
Já é tarde e os olhos anseiam que os feche. Não posso deixar de dizer que fazes falta, porque fazes, e que estejas onde estiveres vais levar as marcas que te fiz. Tanto as boas, como as más.
carta de uma mulher com saudade
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